segunda-feira, 1 de julho de 2013

Estado Laico: a hipocrisia constitucional




Como acreditar num Estado Laico sendo que na prática atual e a sua formação  se deu por valores do imperialismo cristão?





Desde a formação das bases legais que regem nosso país até hoje os valores oriundos da cristandade para afirmação do poder do estado e sua finalidade de “zelar pela ordem democrática de convivência social” são evidenciados. Porém, num paradoxo conceitual, estes são negados pelo preceito laicista descrito na constituição. Havendo assim um conflito habitual entre o ideal e o real, entre a teoria legal transcrita e a prática, muitas vezes equivocada diante de nossa hipocrisia, diante da própria dualidade hipócrita de nossas leis.

Não obstante do período histórico onde a Igreja Católica e o Estado se misturavam, ao passo de as sanções civis resultarem de pecados religiosos, a constituição brasileira se mostra altamente tendenciosa às vontades e valores religiosos, apesar de vários legisladores, juristas e grupos sociais se manifestarem como contrária ao fato, a estas evidências.

Um Estado laico, teoricamente, defende a liberdade religiosa a todos os seus cidadãos, não permitindo a interferência de correntes religiosas em matérias sociopolíticas, culturais, e na construção das próprias bases legais que regem nosso país. O Brasil é oficialmente um Estado laico, pois a Constituição Brasileira prevê a liberdade de crença religiosa aos cidadãos e a proteção e respeito às manifestações religiosas. Porém, não podemos negar a forte influencia cultural cristã na Constituição para uma sociedade dita pluralista, ou seja, de valores múltiplos, não podendo assim ter em seu seio leis com valores particulares cristãos. Por dizer ser pluralista, deveria ser neutra, não tomar parte.

Exemplos claros desse conflito, desse paradoxo legal entre a afirmação do dito Estado laico e dos preceitos  religiosos inseridos em sua formação, é o fato de na constituição  brasileira expor tal influencia cristã em sua formação logo no texto inicial: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO  BRASIL”. Diante disto, já conseguimos observar a forte influencia religiosa na formação de nossas leis. Pois as mesmas foram construídas por uma sociedade religiosa.


Logo, o que resta aos ateus e agnósticos senão não sentirem suas identidades históricas incluídas nessa construção? 

Portanto, inicialmente já enxergamos que os preceitos pluralistas e igualitários não foram respeitados.

Não é difícil vermos pontos concordantes, e comprobatórios, entre a nossa constituição e as leis bíblicas, negando assim o laicismo do estado. A poligamia, no Artigo 1.521 do Código Civil Brasileiro, é tratada como uma contravenção / crime, evidenciando princípios católicos e protestantes, e excluindo a liberdade individual, e religiões não ocidentais, como a muçulmana, que pregam a legalidade poligâmica.

Essa herança religiosa, podemos perceber nos incisos que compõem esses artigos, e que decorrem de um entendimento cristão, confundindo-se com o sentido de moral e de valores, pois nascemos e crescemos nesse molde sócio-religioso. Mesmo aqueles que não frequentam uma Igreja.

Então, porque não pode haver a poligamia legalizada ou afins em linha reta casarem-se? 


É religiosamente ilegal. Portanto, não poderiam ser amparadas, estas situações.



Contudo, existe uma nova vertente de juristas que  começam a questionar tais equívocos constitucionais, procurando assim, a realmente por em prática o preceito laico  nas bases legais do estado. 



O juiz de Direito da 4ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Manaus, no Amazonas, Luís Cláudio Cabral Chavesreconheceu a união estável simultânea de um homem com duas mulheres, após a morte dele.   Ao ser indagado sobre quais critérios utilizou para tal decisão, o magistrado disse: "O critério de não desconsiderar a realidade. A união estável é a convivência pública, contínua e duradoura com o objetivo de formação de família." 



Certamente, neste caso em particular, a sentença foi dada com o objetivo de legitimar as uniões e amparar as famílias envolvidas, e serve jurisprudencialmente como alicerce para  uma ampla discussão sobre a questão da poligamia e da hipocrisia legitimada da afirmação de que o estado é laico. 



Como acreditar num Estado Laico sendo que na prática atual e a sua formação  se deu por valores do imperialismo cristão?

Não podemos. Por mais que neguemos, a sociedade, seus pudores, códigos de socialização, sociabilidade, seus direitos e deveres, são edificados à partir de preceitos cristãos. Vivenciamos diariamente o cotidiano religioso nas nossas vidas, nas manchetes de jornais, nas decisões familiares, judiciais, nos investimentos públicos e nas bandeiras defendidas por idealizadores e representantes públicos.




Casos como da polêmica e arrastada discussão sobre legalização do casamento e da adoção infantil por homossexuais, do intitulado projeto "Cura Gay" (Aprovado no Conselho de Ética da Câmara, presidido pelo Dep. Marcos Feliciano, do PSC-SP), da destinação de erário público para eventos religiosos, da determinação de feriados nacionais religiosos, como o projeto de lei nº 398/2012 que prevê a proibição de cobrança de ICMS dos templos religiosos de qualquer culto (proposta de autoria do deputado Sebastião Rezende, do PR), são evidências da assinatura cristã no Estado, na legislação em vigor. 

Comparando vários trechos da Bíblia com nossas leis, vemos que a sociedade não consegue separar / diferir os valores sócio-religiosos  com os da Constituição Brasileira. Sacramentando o chamado Imperialismo Cristão de forma silenciosa. Com novos mecanismos, diferentes dos da época inquisitória ou da transição do Feudalismo para o Capitalismo Burguês, que descentralizou, lutou contra o poder / influencia da igreja no Estado.

Desta forma, qual a saída para reparar o erro / hipocrisia laicista do Estado, e suas ações contrárias à esta afirmação? 

Assumirmos a influencia cristã no Estado, retirando esta afirmação laica, ou realmente apagar de uma vez por todas a assinatura cristã dos autos, das ações, e decisões constituintes, e pregarmos o pluralismo e igualdade. Claro (ironicamente), como diriam vários legisladores, juristas e grupos sociais: "Que assim seja! Dai a Cézar o que é de Cézar, e a Deus o que é de Deus." (Mt 22.20). AMÉM! Oxalá! Etc e tal. "







Marcio Santos - Presidente do Grêmio Estudantil Velho Chico



Fonte: 





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2 comentários:

  1. Um excelente texto. A grande questão meu caro, encontra-se na forma como a sociedade no período do estado laico compreendia tudo que estava voltado às práticas religiosas. Naquele momento houve uma necessidade radical de se desvincular tudo que estivesse relacionado às questões religiosas. Estas eram vistas e tidas como atrasadas, nocivas ao progresso. Não sabia a sociedade que os valores que são construídos ao longo do tempo não se desprendem de nós por completo. Na sociedade, nós podemos usar também a frase "nada se perde, tudo se transforma". A cultura é um misto confuso de conservação e transformação dos valores. O que podemos fazer é uma re-significação do termo laico. Ora, o fato de se objetivar um estado "livre" dos valores religiosos, não implica dizer que as instituições e todas as crenças religiosas não possam intervir nele, até por que os adeptos das religiões são contribuintes, estão submetidos às leis como qualquer outro. Pensar a pluralidade de opiniões significa aceitar a fé institucional religiosa, assim como também não aceitar. A democracia representativa abre espaços para o exercício do poder político a partir do debate público entre cidadãos livre em condições iguais de participação. Porém, as questões que você traz em seu texto como a poligamia, etc, apesar de estarem ligadas diretamente aos valores cristãos ocidentais, não necessariamente se encontram no âmbito religioso, mas também em âmbito moral e a moralidade independe de práticas religiosas. Como eu disse, um texto excelente. Você soube utilizar de forma bastante inteligente as citações, apoiando-se em trechos da constituição para fundamentar suas argumentações. Parabéns!

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  2. Muito obrigado Vina, pelos elogios ao texto. O que vc expôs no comentário ratifica o meu argumento. Concordo quando vc fala sobre a questão temporal laica, pois era necessária devido ao momento histórico. Como também sobre a pluralidade abarcar os valores religiosos, e os não religiosos. Porém, isto não é posto em prática realmente, ou talvez, se equivoca quando ampara tais valores religiosos, desamparando os não religiosos. Afinal,podemos condenar a união poligâmica, a união homossexual? E creio que estes são sim de caráter religiosos ocidentais, pelo menos afirmados na sociedade atual. Pois anteriormente já foram permitidas tais situações no ocidente, mais os valores sócio-religiosos fizeram com que os indivíduos que adentrassem nesta causa...fossem contraventores, ou excêntricos, para não dizer outra coisa..hehehe E o que mais me espanta é dizer ser laico..e não amparar os valores não religiosos, e principalmente, utilizar o erário público para isso, ou apenas, para os que não permeiam a religiosidade. O público é de todos, e creio que colocar, por exemplo, um efetivo policial de alto custo, com diárias extras, para um evento religioso...é no mínimo segregador, hipócrita e criminoso. Assim como colocá-los em um estádio de futebol para fazer a segurança em um evento particular. Contudo, considero bastante suas afirmações, e as mesmas..dão mais pano pra manga..hehehe Brigadão meu amigo!!

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