Como acreditar num Estado
Laico sendo que na prática atual e a sua formação se deu por valores do
imperialismo cristão?
Desde a formação das bases
legais que regem nosso país até hoje os valores oriundos da cristandade para
afirmação do poder do estado e sua finalidade de “zelar pela ordem democrática
de convivência social” são evidenciados. Porém, num paradoxo conceitual, estes
são negados pelo preceito laicista descrito na constituição. Havendo assim um
conflito habitual entre o ideal e o real, entre a teoria legal transcrita e a
prática, muitas vezes equivocada diante de nossa hipocrisia, diante da própria
dualidade hipócrita de nossas leis.
Não obstante do período
histórico onde a Igreja Católica e o Estado se misturavam, ao passo de as
sanções civis resultarem de pecados religiosos, a constituição brasileira se
mostra altamente tendenciosa às vontades e valores religiosos, apesar de vários
legisladores, juristas e grupos sociais se manifestarem como contrária ao fato,
a estas evidências.
Um Estado laico,
teoricamente, defende a liberdade religiosa a todos os seus cidadãos, não
permitindo a interferência de correntes religiosas em matérias sociopolíticas,
culturais, e na construção das próprias bases legais que regem nosso país. O
Brasil é oficialmente um Estado laico, pois a Constituição Brasileira prevê a
liberdade de crença religiosa aos cidadãos e a proteção e respeito às
manifestações religiosas. Porém, não podemos negar a forte influencia cultural
cristã na Constituição para uma sociedade dita pluralista, ou seja, de valores
múltiplos, não podendo assim ter em seu seio leis com valores particulares
cristãos. Por dizer ser pluralista, deveria ser neutra, não tomar parte.
Exemplos claros desse
conflito, desse paradoxo legal entre a afirmação do dito Estado laico e dos
preceitos religiosos inseridos em sua formação, é o fato de na
constituição brasileira expor tal influencia cristã em sua formação logo
no texto inicial: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em
Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático,
destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,
fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional,
com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de
Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL”. Diante disto, já conseguimos observar a forte influencia
religiosa na formação de nossas leis. Pois as mesmas foram construídas por uma
sociedade religiosa.
Logo, o que resta aos ateus
e agnósticos senão não sentirem suas identidades históricas incluídas nessa
construção?
Portanto, inicialmente já enxergamos que os preceitos
pluralistas e igualitários não foram respeitados.
Não é difícil vermos pontos
concordantes, e comprobatórios, entre a nossa constituição e as leis bíblicas,
negando assim o laicismo do estado. A poligamia, no Artigo 1.521 do
Código Civil Brasileiro, é tratada como uma contravenção / crime, evidenciando
princípios católicos e protestantes, e excluindo a liberdade individual, e
religiões não ocidentais, como a muçulmana, que pregam a legalidade
poligâmica.
Essa herança religiosa,
podemos perceber nos incisos que compõem esses artigos, e que decorrem de um
entendimento cristão, confundindo-se com o sentido de moral e de valores, pois
nascemos e crescemos nesse molde sócio-religioso. Mesmo aqueles que não
frequentam uma Igreja.
Então, porque não
pode haver a poligamia legalizada ou afins em linha
reta casarem-se?
É religiosamente ilegal.
Portanto, não poderiam ser amparadas, estas situações.
Contudo, existe uma nova
vertente de juristas que começam a questionar tais equívocos
constitucionais, procurando assim, a realmente por em prática o preceito laico
nas bases legais do estado.
O juiz de Direito da 4ª Vara
de Família e Sucessões da Comarca de Manaus, no Amazonas, Luís Cláudio Cabral
Chaves, reconheceu
a união estável simultânea de um homem com duas mulheres, após a morte
dele. Ao ser indagado sobre quais critérios utilizou para
tal decisão, o magistrado disse: "O critério de não desconsiderar a
realidade. A união estável é a convivência pública, contínua e duradoura com o
objetivo de formação de família."
Certamente, neste caso em
particular, a sentença foi dada com o objetivo de legitimar as uniões e amparar
as famílias envolvidas, e serve jurisprudencialmente como alicerce
para uma ampla discussão sobre a questão da poligamia e da hipocrisia
legitimada da afirmação de que o estado é laico.
Como acreditar num Estado
Laico sendo que na prática atual e a sua formação se deu por valores do
imperialismo cristão?
Não podemos. Por mais
que neguemos, a sociedade, seus pudores, códigos de socialização,
sociabilidade, seus direitos e deveres, são edificados à partir de preceitos
cristãos. Vivenciamos diariamente o cotidiano religioso nas nossas vidas, nas
manchetes de jornais, nas decisões familiares, judiciais, nos investimentos
públicos e nas bandeiras defendidas por idealizadores e representantes públicos.
Casos como da polêmica e
arrastada discussão sobre legalização do casamento e da adoção infantil
por homossexuais, do intitulado projeto "Cura Gay" (Aprovado
no Conselho de Ética da Câmara, presidido pelo Dep. Marcos Feliciano, do
PSC-SP), da destinação de erário público para eventos religiosos, da determinação
de feriados nacionais religiosos, como o projeto de lei nº 398/2012 que
prevê a proibição de cobrança de ICMS dos templos religiosos de qualquer culto (proposta
de autoria do deputado Sebastião Rezende, do PR), são evidências da
assinatura cristã no Estado, na legislação em vigor.
Comparando vários trechos da
Bíblia com nossas leis, vemos que a sociedade não consegue separar / diferir os
valores sócio-religiosos com os da Constituição Brasileira. Sacramentando
o chamado Imperialismo Cristão de forma silenciosa. Com novos mecanismos,
diferentes dos da época inquisitória ou da transição do Feudalismo para o
Capitalismo Burguês, que descentralizou, lutou contra o poder / influencia da igreja
no Estado.
Desta forma, qual a saída
para reparar o erro / hipocrisia laicista do Estado, e suas ações contrárias à
esta afirmação?
Assumirmos a influencia
cristã no Estado, retirando esta afirmação laica, ou realmente apagar de uma
vez por todas a assinatura cristã dos autos, das ações, e decisões
constituintes, e pregarmos o pluralismo e igualdade. Claro
(ironicamente), como diriam vários legisladores, juristas e grupos
sociais: "Que assim seja! Dai a Cézar o que é de Cézar, e a Deus
o que é de Deus." (Mt 22.20). AMÉM! Oxalá! Etc e tal. "
Marcio Santos - Presidente do Grêmio Estudantil Velho Chico
Fonte:
Um excelente texto. A grande questão meu caro, encontra-se na forma como a sociedade no período do estado laico compreendia tudo que estava voltado às práticas religiosas. Naquele momento houve uma necessidade radical de se desvincular tudo que estivesse relacionado às questões religiosas. Estas eram vistas e tidas como atrasadas, nocivas ao progresso. Não sabia a sociedade que os valores que são construídos ao longo do tempo não se desprendem de nós por completo. Na sociedade, nós podemos usar também a frase "nada se perde, tudo se transforma". A cultura é um misto confuso de conservação e transformação dos valores. O que podemos fazer é uma re-significação do termo laico. Ora, o fato de se objetivar um estado "livre" dos valores religiosos, não implica dizer que as instituições e todas as crenças religiosas não possam intervir nele, até por que os adeptos das religiões são contribuintes, estão submetidos às leis como qualquer outro. Pensar a pluralidade de opiniões significa aceitar a fé institucional religiosa, assim como também não aceitar. A democracia representativa abre espaços para o exercício do poder político a partir do debate público entre cidadãos livre em condições iguais de participação. Porém, as questões que você traz em seu texto como a poligamia, etc, apesar de estarem ligadas diretamente aos valores cristãos ocidentais, não necessariamente se encontram no âmbito religioso, mas também em âmbito moral e a moralidade independe de práticas religiosas. Como eu disse, um texto excelente. Você soube utilizar de forma bastante inteligente as citações, apoiando-se em trechos da constituição para fundamentar suas argumentações. Parabéns!
ResponderExcluirMuito obrigado Vina, pelos elogios ao texto. O que vc expôs no comentário ratifica o meu argumento. Concordo quando vc fala sobre a questão temporal laica, pois era necessária devido ao momento histórico. Como também sobre a pluralidade abarcar os valores religiosos, e os não religiosos. Porém, isto não é posto em prática realmente, ou talvez, se equivoca quando ampara tais valores religiosos, desamparando os não religiosos. Afinal,podemos condenar a união poligâmica, a união homossexual? E creio que estes são sim de caráter religiosos ocidentais, pelo menos afirmados na sociedade atual. Pois anteriormente já foram permitidas tais situações no ocidente, mais os valores sócio-religiosos fizeram com que os indivíduos que adentrassem nesta causa...fossem contraventores, ou excêntricos, para não dizer outra coisa..hehehe E o que mais me espanta é dizer ser laico..e não amparar os valores não religiosos, e principalmente, utilizar o erário público para isso, ou apenas, para os que não permeiam a religiosidade. O público é de todos, e creio que colocar, por exemplo, um efetivo policial de alto custo, com diárias extras, para um evento religioso...é no mínimo segregador, hipócrita e criminoso. Assim como colocá-los em um estádio de futebol para fazer a segurança em um evento particular. Contudo, considero bastante suas afirmações, e as mesmas..dão mais pano pra manga..hehehe Brigadão meu amigo!!
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